terça-feira, 22 de novembro de 2011

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Ai, que a revista Sábado afinal é a bruxa má e os seus jornalistas são todos filhos do diabo, devotos secretos do livro de S. Cipriano que respondem a ordens obscuras dadas sabe-se lá por quem. Pode ser pelo Schwarzenegger político e flácido e amigo do ambiente mas que afinal quando fez aquele filme do polícia no jardim-escola foi só para conhecer educadoras de infância licenciadas em quatro anos, boas e fáceis com que pudesse enganar a mulher. Eu nem acho mal, afinal de contas, se é para ser político ao menos que seja também adúltero. Ah, grande Arnold! Vamos às perguntas: quem é que lhe encomendou o sermão de ter um filho com a mulher-a-dias? Não sei. Quem é que disse aos 100 alunos abordados pela Sábado para responder a um questionário bacoco de tão simples com respostas que até a pedra que o Jorge Palma carrega permanentemente se envergonharia de dar? Também não sei mas faço uma ideia. Provavelmente foi a mesma pessoa que lhes disse que podiam confundir cultura geral com aquilo que aprendem nas aulas e que logo a seguir lhes disse que a frase "não é comigo" é a melhor justificação para se descartarem de qualquer culpa sem se sentirem mal com o vazio que têm entre as orelhas. É claro que nem todos dão Maria João Pires ou os Beatles na escola, tal como é improvável estudar Coppola ou a fundação da Microsoft no ensino secundário. É por isso, aliás, que se chama cultura geral a grande parte do conhecimento que vamos adquirindo sem a pressão duma boa nota mas com a exigência que decidimos para nós mesmos. Ou até porque tropeçámos nele e decidimos não repor logo a postura de quem nunca trocou as pernas a andar. Ou então só porque sim! Se para uma única pessoa o mamute não se extinguiu e é o maior mamífero do planeta, então “porque sim” também é uma resposta válida. Partindo da ignorância tão badalada dos concorrentes da Casa dos Segredos, o que a reportagem da revista Sábado tenta provar é que os mesmos que gargalham à conta dos kens e barbies da TVI se reúnem depois à porta das faculdades dispostos a fazer a mesma figura mas sem aquele ar de quem passou os primeiros 5 anos de vida num solário. 100 alunos do ensino superior, 20 perguntas e cerca de 2000 respostas depois e eis que o vídeo que abalou coisa nenhuma mas ofendeu uns quantos asnos, que além de asnos têm dificuldade em conter os zurros quando se trata de fazer má figura, surge e abre a discussão sobre o estado do ensino superior português e a cultura geral dos jovens. Como se a televisão que a maioria vê não chegasse para tal; ou os livros que lê ou a música que ouve. A única coisa que me espantaria era se isto tivesse sido publicado num diário, e mesmo aí a surpresa seria apenas por se tratar de uma notícia sem novidade. O que me surpreende realmente é o pasmo de tantos à volta do assunto. Até parece que, de repente, nunca ninguém se cruzou com uma pedaço de parede mal rebocada e licenciada ou nunca estudou com alguém cuja probabilidade de participar num reality show era maior que a de apanhar SIDA em África enquanto se segura um cartaz a dizer “adoro seropositivos.” Que a minha geração está pejada de burros eu já sabia, até porque todas os têm e o Otelo Saraiva de Carvalho é a prova viva de que nem os anos 30 se safaram. Que uns outros se espantem com isso é que para mim é recente. E não se trata apenas de não saberem algumas coisas que acho forçosamente básicas, até porque há coisas que consigo compreender que alguém não saiba. São sempre situações altamente improváveis mas possíveis. Como o rapaz que respondeu Vasco Santana quando lhe perguntaram o nome do actor que desempenhou o papel de padrinho na saga com o mesmo nome, nunca ter visto um único filme na vida mas que por estar apaixonado por um homónimo do actor português tenha sido esse o primeiro nome a sair-lhe da boca. E o estranho nisto não é a hipótese em si. Estranho é eu só conseguir imaginar o tal Vasco Santana que roubou o coração ao rapaz a quem o nome Marlon Brando nada desperta, numa cadeira de rodas. Que me perdoem todos os paraplégicos homossexuais (um nicho de leitores a explorar, diga-se) mas na minha versão o rapaz além de burro é gay e tem um gosto refinado por deficientes motores. É certo que isto que acabei de descrever é improvável mas, ainda assim, possível. Agora, que uma rapariguinha diga que não sabe quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo por não acreditar em deus e logo a seguir vomitar um “mas em Moisés” significa não só uma brutalidade intelectual de todo o tamanho mas também uma descoberta que nunca imaginei que se fizesse: uma judia cuja nulidade põe seriamente em causa aquilo deles serem feitos de ouro por dentro. Porque há, de facto, coisas básicas que quem não sabe mal merece o ar que respira. E o que me faz realmente pensar no assunto é o à-vontade com que erraram e a falta de vergonha que depois exibiram os que, indignados pois então, tiveram a trabalheira de se justificar e ameaçam agora com processos judiciais. Não saber responder àquelas que deveriam ser as mais básicas das questões para alguém que frequenta o ensino superior e depois argumentar que a escolha das mesmas para o tal questionário não foi a melhor porque não ia ao encontro das suas áreas académicas só demonstra que tão-pouco perceberam o alcance da reportagem; ou fazerem como o burro do ditado e encherem-se depois de “livros” para parecerem doutores é como disfarçar a careca da quimioterapia com um lenço de papel. Já quando falam na pressão durante a altura de dar as respostas apenas um “vão-se foder, caralho” me passa pela cabeça. Afinal esta não é só a geração mais qualificada do país. É também a geração dos queixinhas ofendidos e será a geração dos tecnocratazinhos que mesmo cumprindo as suas funções com o cinzento brilhantismo de um robot, serão incapazes de manter uma conversa porque, ao que parece e nas palavras da rapariga que acredita em Moisés em vez de deus, cultura geral não é com eles. A verdade é que apesar de não trazer nada de novo, à conta do vídeo da Sábado intensifiquei as minhas conversas com paredes brancas e animais mortos que vou encontrando à beira da estrada, que apesar de nunca responderem ao menos também não abrem a boca. Outra coisa que esta reportagem podia trazer era a alteração da candidatura à UNESCO para eleger o fado como património imaterial da humanidade e juntar-lhe a estupidez. São só semelhanças: é típica e é triste mas cá vai animando a malta.

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