sexta-feira, 22 de junho de 2012

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Há uma grande abundância de apoiantes da selecção portuguesa de futebol, algo que se pode confirmar com mais rigor durante as fases finais das competições internacionais de selecções. Trata-se de uma simples observação que nada tem de errado, tanto na forma como no conteúdo e, portanto, num primeiro plano estou certo. Quanto a um segundo veremos. Ei-lo: há depois um outro número, talvez não tão abundante mas de certeza muito mais irritante, que são aqueles adeptos da selecção todos eles extremamente felizes e sorridentes, paladinos do optimismo cego, caixeiros-viajantes de um tipo de patriotismo desportivo que alguns de nós se recusam a comprar. Alguns até mudam o guarda-roupa durante as provas como prova da dedicação à equipa nacional. Outros saem mais cedo do trabalho ou abrem excepções no orçamento doméstico para acompanhar com as devidas calorias as jogadas de Nani e companhia. Muitos apostam na regurgitação de frases de apoio e análises aos jogos da equipa, aposta ganha pelo poder epidémico das redes sociais; há ainda os que apostam dinheiro. Outros tantos esforçam-se de tal maneira a filosofar dentro das 4 linhas que é frequente, nas suas expressões de apoio bajulatório, confundirem optimismo com positivismo. Não é grave, o mais provável é que Comte também não se desse ao trabalho de decorar a convocatória da selecção portuguesa. Eu já apoiei a selecção, juro que sim, com direito a cadernetas da Panini religiosamente completadas e tudo, mas nestes últimos anos tenho vindo a fermentar um nojo sincero por tudo aquilo que rodeia a selecção e o efeito que isso tem na vida dos portugueses. Desde o primadonnismo dos jogadores estimulado pelos media (sobre estes nem falarei pois o que me sobra em nojo falta-me em tempo), até à duvidosa gestão da FPF com gastos ofensivos que tantos portugueses desculpam com justificações estúpidas (porque para a prodigalidade com fundos públicos só na estupidez se encontra justificação), passando pela UEFA de Platini e pela organização do Euro 2012 por países ao nível de uma China no que toca a limpar as ruas e a arrumar a casa, culminando na alienação temporária dos cérebros portugueses sobre aquilo que realmente os devia fazer pensar. E o que me irrita nessas pessoas que se animam durante 90 minutos de uma maneira que faria inveja a qualquer um, não fosse a acefalia que lhe está associada, é que não percebem, simplesmente não percebem o efeito que este pani et circenses tem nas suas vidas. Talvez daqui a uns dias abram os olhos ao acordarem da modorra que é o sonho do Guilherme, o garoto da Galp. A mesma Galp que neste momento compra barris de Brent ao preço de 2010 e vende gasolina ao preço de… Bem, quase ao preço que lhe apetecer, na verdade. Talvez abram os olhos para a bastonada dada nas pernas da liberdade de imprensa e que a prostrou aos pés do ministro Miguel Relvas, ou para o coma europeu que se aprofunda depois das eleições gregas e da camuflagem da situação espanhola, ou talvez leiam os rodapés dos noticiários e se iluminem para mais uma derrapagem orçamental em vista. Eu sei que me torno um alvo fácil por esta causticidade toda e por apoiar um clube de futebol em oposição à renuncia em apoiar a selecção nacional mas um clube é privado, não se tem de justificar o gosto. Com a selecção é diferente mais ainda na situação em que está o país e, novamente, essas pessoas não vão perceber porque quando argumentam com o prestígio que uma selecção pode dar a um país esquecem-se do estado em que está o vencedor do Euro 2004. Mas o que me irrita mesmo é que, quando confrontadas, o mais eloquente que se consegue destas pessoas é uma variação qualquer da frase “há pessoas que só estão bem a dizer mal”. Além da beleza que uma contradição entre bem e mal (como céu e inferno, Verão e Inverno ou Postiga e golos) pode dar a uma observação tão pouco perspicaz, há ainda uma espécie de hipocrisia involuntária em criticar os que só estão bem a dizer mal, pondo à vista o círculo vicioso onde quem observa e contradiz os maldizentes se alista automaticamente no mesmo clube. Este é o tipo de gente que faz de Portugal um país onde as pessoas são capazes de jantar todos os dias omelete mas insistem em dizer que usam ovos Fabergé, um país de ruas da Betesga em rossios e peneiras em dia de sol. Um país onde se substitui sem vergonha o interesse pelos erros governativos e as injustiças que daí vêm pelos golos do Cristiano Ronaldo e onde as estatísticas mais debatidas se referem às assistências feitas pelo Coentrão. Depois da vitória de ontem frente à República Checa é possível que a selecção nacional vença o Euro 2012, mas o que podia importar realmente Portugal perdeu há já muito tempo: o juízo.

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