terça-feira, 9 de março de 2010

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Hoje a fila para a caixa do supermercado estava muito longa. Não gosto de esperar em filas e duvido que haja alguém que goste, é como aquelas pessoas que dizem odiar ir ao dentista convencidas de que são as únicas e que o asco que sentem a ter uma tipa qualquer (no meu caso é uma dentista que até nem é feia, diga-se) a mexer-lhes dentro da boca é uma característica muito singular e rara. À minha frente estava um cesto, sozinho, com uma garrafa de Esteva de 2008 e duas embalagens pequenas e verdes de não sei o quê que não consegui ver. Quando olhei para a frente estava um casal de labregos todo mimoso em que o gajo parecia ser vestido pela mãe e ela com cara de quem tem uma tatuagem muito feiazinha algures, feita pela esteticista lá da terra. A dona do cesto abandonado voltou e o meu queixo caiu. Cabelos longos, dourados escuros e bonitos, uma malinha pequena a condizer com os sapatos e um lenço leopardo ao pescoço. Não sei se o nome será Marie-Claire mas a música que ouvia tornou-se de repente apropriada. À frente deste pedaço de paraíso continuava o casal labrego, ora a olharem-se como quem diz "que pena o Ídolos ter acabado, adorava ver aquilo contigo no sofá enquanto comiamos Ruffles de presunto", ora concentrados no frango assado todo escangalhado e os cinco Kinder Buenos que levavam. Mas quem raio compra cinco Kinder Buenos? A fila era grande e lenta. O meu cesto não era assim tão leve e por isso estava no chão, de tempos a tempos lá tinha que me baixar para progredir no caminho. Este exercício tornou-se bastante aprazível já que ficava com a cara agradavelmente perto do rabo da Marie-Claire. E que rabo. Esbanjava bom gosto e estilo e para completar o ar de dondoca e fazer jus a toda aquela classe só faltava uma malinha com um cão desses pequenos que dão para vestir. Ali, naquele cesto e naquela miúda, não havia crise, não havia Benfica nem TGV adiado, não haviam escutas nem miúdos de 12 anos a atirarem-se ao rio. Não havia o Carlos Queiroz nem pessoas que dizem "mensa" ou jornalistas que dizem "lídre", não havia um PEC nem homens-bomba. Não havia a atribuição vergonhosa dos Oscares deste ano nem Xutos & Pontapés, não haviam filmes do Roland Emmerich nem drag queens. Não haviam aquelas pick-up amarelas da Skoda, não havia sumos com sabor a casca de laranja nem havia a Margarida Rebelo Pinto a escrever livros de merda. No casal labrego talvez mas ali não. Se deus existisse, além do menino Jesus tinha tido também uma filha e eu frequentava o mesmo Pingo Doce que ela.

2 comentários:

Mr. Velas disse...

Por momentos parecias o Selton Mello no Cheiro do Ralo a rejubilar a bunda. Isso e as Ruffles presunto.

a música à Hotel Chevalier encaixa perfeitamente...

well done (clap clap clap)

Pereira disse...

Tende um bocado para o coijo.