segunda-feira, 2 de maio de 2011

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No Sábado passado utilizei uma casa de banho pública, não uma daquelas de meter moeda mas dum espaço público. Como não gosto e evito ao máximo acho sempre estranho quando acontece. É claro que foi para cagar ou segundo o pudor anglo-saxónico traduzido: fui fazer o número dois. Eu discordo totalmente desta atribuição. Se fosse eu a mandar, cagar seria sempre a actividade número um quando se trata de utilizar uma sanita. Não vale a pena perguntarem porquê, é um gosto antigo e sempre achei mais piada a cagar que a mijar (chamem número um a este se quiserem ser todos anglo-saxónicos como eu fui logo na terceira frase). Há algo de tremendamente ritualístico e agradável no acto de expelir o que de mais nojento há em mim. Literalmente. É o género de sentimentos que deve ter invadido a mãe do André Sardet depois do parto. Vejo o acto de cagar como todo um processo em que entrar é uma aventura e marcar hora de saída é simplesmente disparar no escuro. As pessoas que dizem "ah, eu cá não. Eu cá só lá estou 5 minutos e já está" ou limpam muito mal ou então não andam a viver a vida como o Tony Bennet a cantou. Do ritual pode fazer parte o simples assobio ou a leitura do que houver à mão (panfletos publicitários incluídos). Ou até a manutenção de uma selecção bibliográfica de uso exclusivo na sanita, tal como fiz há uns anos com as lidas e relidas pranchas dos senhores Watterson e Amend. Com o advento tecnológico as consolas portáteis e os jogos para telemóvel tornaram-se também eles bons e respeitosos companheiros na hora de largar o barro. Ainda assim, um clássico é um clássico e o bom e velho onanismo nunca passará de moda quando se procura algo mais ousado no momento de largar algum cocó. No entanto, falar em cocó na mesma frase que WC público é pôr em xeque todo este ritual. Nesse caso aquilo em que devemos concentrar os nossos esforços é já não na parte lúdica do arreamento do calhau mas sim na construção não só do ninho (que evitará barulhos mais estrondosos e água de esgoto nas nádegas) como de toda a fortaleza de camadas e camadas de papel higiénico sobre o tampo. O condicionamento pela falta de privacidade ou, pelo menos, pela falta de à-vontade em lidar com aquela que nos é concedida, mantém-se mas o papel higiénico e o esforço despendidos nesta fase pré-cocó darão toda uma nova sensação de conforto. Cagar fora de casa é como ter sexo junto a um cadáver: sabemos que não vai acontecer nada de mal porque, enfim, é um cadáver mas mesmo assim é desconfortável. É como o próximo governo se sentirá enquanto cá estiver o FMI. Poderão continuar a fazer merda à vontade (leia-se meter ao bolso, a.k.a. tudo aquilo que a generalidade dos portugueses tem vergonha de admitir que faria se partilhasse um lugar ao sol com os Sʳˢ Políticos. Sem tirar nem pôr, tal e qual como os Censurados lhes chamavam em 1990), mas sempre com o incómodo de olhar por cima do ombro, não vá estar alguém a ver. Mesmo com a porta bem fechada. Se estivermos sozinhos na casa de banho e o bom funcionamento do trinco estiver assegurado é possível gozar de alguma paz de espírito. Podemos até chegar a desfrutar do silêncio em que nos encontramos, apenas interrompido por um peido, um “plóque” ou o som de uma SMS ou de uma chamada cujo destino varia entre ser rejeitada e mais tarde retribuída dizendo que não ouvimos ou que o telemóvel estava sem som, ou atendida com tentativas vãs de disfarçar o eco que o cubículo faz. Porque por muito boa e moderna que uma casa de banho pública seja a acústica deixará sempre a desejar. Mas eis que oiço os fatídicos passos de um estranho a chegar ao outro canto do WC, qual cowboy justiceiro a entrar pelo saloon de esporas afiadas ferindo a madeira do chão empoeirado. Nesta altura já o tal silêncio se tinha tornado o meu pior inimigo. Foi o momento de ouvir um completo desconhecido a desapertar o cinto, a abrir a braguilha… eventualmente a tossir ou cuspir e, por fim… o mijo do urinador sem rosto começou a sair. E ali me encontrei, a ouvir cada gota de sabe-se lá quem, sentado numa sanita demasiado larga a comprimir todos os músculos que conheço e a desejar que o telemóvel não tocasse e o sr. Mistério do urinol a menos de 1,5m de mim descobrisse que ali estava outra pessoa. Talvez uma retrete largueirona seja o paraíso sanitário de qualquer ex-casapiano, marcado para todos los tiempos por uma soltura que só quem andou no mesmo carro que o Jorge Ritto conhece. Mas para quem, como eu, tem rabo de homem, sério e à antiga, tão fechado como a Coreia do Norte, uma sanita de tamanho regulamentar basta. É engraçado como nos preocupamos com o barulho que possamos fazer mas com a sombra dos nossos pés a dançar por baixo da porta - que insistem fazer com uma altura quase pornográfica para um sítio que se quer tão privado - nem por isso. Senhores designers de casas de banho públicas: uma porta é uma porta! Não é uma saia da Ana Malhoa. A difícil mas necessária decisão de cagar numa casa de banho pública, que até o momento estava a ser bastante suportável, e cuja demora não devia exceder, no máximo dos máximos, o quarto de hora, tornou-se de um momento para o outro num interminável pesadelo de vinte ou mais minutos. Foi assim o meu inferno pessoal no dia antes de descobrirem que, afinal, o Bin Laden não vivia numa caverna. Admito a desilusão. Já me tinha habituado à ideia dele gritar "Wilma, I'm home!" lá na língua derka berka derka deles cada vez que chegava ao lar-doce-gruta, e a tirar depois o cinto de caça que em vez de coelhos tinha infiéis, enquanto soltava um piropo todo dengoso à burqa da senhora dona Wilma.

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