segunda-feira, 26 de novembro de 2012

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Do downsizing do lifestyle da Margarida Rebelo Pinto e do upgrading da sua stupidity

Esqueçamos a controvérsia que a escritora Margarida Rebelo Pinto (MRP) tão naturalmente inspira no seu meio e concentremo-nos apenas na entrevista do Jornal i, publicada no passado Sábado. Comecemos pelo título infeliz que, coitado, é fruto estragado de uma muito mais triste afirmação ("downsizing do meu lifestyle" é uma frase que não destoaria entre os versos da mais recente canção da filha da Ana Malhoa) e percamos depois algum tempo no facto com que nos deparamos no subtítulo: mais de um milhão de portugueses compraram o último livro da MRP. Isto significa que quase um décimo do país partilha o apedeutismo que a autora exemplarmente promove na sua obra. Não sou ingénuo ao ponto de pensar que parte significativa desse milhão e tal de leitores pop (segundo a jornalista, a escritora inventou a literatura pop em Portugal o que, mesmo desconfiando da veracidade da afirmação, confirmando-se, só vem enfatizar a relação entre um poço vazio e a obra de MRP) tenham comprado o livro “O Amor é Outra Coisa” para o queimar de seguida. Também não tenho o descaramento de arriscar que a inteligência dos portugueses que compram os livros da senhora é inversamente proporcional à dos portugueses que guardam os seus euros para coisas mais úteis mas acredito sem reservas que o rácio entre as duas grandezas seja desmoralizante. Não se pode dizer que estes números sejam esmiuçados, até porque para a entrevista era pouco relevante, mas o leitor fica a saber que a obra de MRP é lida por muitas adolescentes. Ou seja, do milhão e tal de compradores e leitores muitos são adolescentes do sexo feminino, amostra insuficiente para ilustrar o pessimismo que aponto à capacidade intelectual das gerações recentes e vindouras mas relevante para a análise da puerilidade inconsciente na obra da escritora pop. Uma nota pessoal: nas artes só falo do que leio, vejo ou oiço, o que me deixa à vontade para falar da autora. Foi na adolescência que contactei com a sua obra mas aos preconceitos a que a autora se refere na entrevista, chamo-lhes bom gosto e esse já estava praticamente definido quando a li pela primeira vez. Sobre isto apenas reafirmo a minha crença numa vida triste para quem iniciar a vida de leitor com uma qualquer historieta pop da escritora. Continuemos. Nesta errática entrevista (ainda que se aplauda uma salva solitária à jornalista Rosa Ramos pelo esforço em confrontar a autora com os seus devaneios de dondoca escrevinhadora) MRP demonstra aquilo que é no seu âmago, apresentando-se como uma sacrista da futilidade reinante, um organismo com uma dezena de dedos nas mãos ligadas a um cérebro com acesso a equipamento de escrita mas que nunca chegou a escritor. Às perguntas de Rosa Ramos responde uma pessoa com um desprendimento insultuoso com a literatura enquanto arte; uma autora que não respeita nem consegue defender a própria obra quando é confrontada com os frequentes lapsus calami dos seus textos, acusações a que reage com cinismo e falta de memória. Mas Margarida Rebelo Pinto é muito mais do que a mulher escritora que conhecemos, ela é, talvez até de forma mais esclarecida, uma não-escritora. De outra forma seria impossível a definição que dá de literatura pop como o subgénero que tolera imprecisões históricas e confusões entre cegonhas e pássaros, com a confiança que só o sucesso mal atribuído e uma profunda ignorância permitem. Temo que isto possa parecer um ataque gratuito à escritora e sua obra, e talvez até concorde com a parte do ataque, mas a gratuitidade não existe. É que MRP e toda a sua panóplia de palimpsestos e narrativas regurgitadas representam não um tipo de pessoas (pois nem todos nascemos de psicólogas, nem estereotipamos de modo bacoco) mas é símbolo de uma certa classe social portuguesa, algo que observamos ao longo da entrevista do Jornal i e no contacto directo com alguns dos habitat das suas histórias. Depois de uma defesa de Isabel Jonet e de ficarmos a saber que em casa não come bifes todos os dias, a autora agracia-nos com a redução de toda a parolice portuguesa numa só frase quando, sobre a crise, afirma ter feito um downsizing do seu lifestyle. Eu não quero parecer boring nem estimular demasiados LOL mas esta frase merece um WTF. Para Margarida R. Pinto uma redução no estilo de vida significou abdicar duma casa com jardim e piscina, isto vindo da mesma pessoa que momentos antes dizia que a sua literatura fala da vida como ela é. Obviamente que para MRP a “vida” não é “como ela é”. Para a escritora a vida é de tal maneira que é a própria a balbuciar que em 1998 Portugal estava um brinco e “era uma loucura” em que as pessoas tinham dinheiro e pouco pejo em gastá-lo. Talvez lhe tenha escapado o polvo público criado por Guterres, ou que tem sido com essa prodigalidade saudosista que se tem arruinado o país desde os ministérios de Fontes Pereira de Melo, mas isso são contas de outro rosário, até porque da educação católica MRP só guardou “as coisas boas”. De facto, a vida como ela é não é a vida de Margarida R. Pinto. Nem todos têm a sorte de se inspirar com os pés demolhados na salsugem insolente da baía de São Martinho, ou escolher entre comer bifes ou ter piscina; nem todos têm ainda a sorte néscia de crescer num país onde se valoriza uma carreira fundada na verborreia com 19 livros editados em apenas 13 anos. Não vou referir as considerações da autora sobre o aspecto das pessoas mas deixo o apelo para que vá até ao Banco Alimentar procurar os pais das muito mais de 10.000 crianças portuguesas que passam fome diariamente, para os sensibilizar sobre a virtude de ser pobre e imberbe. Não falarei do sexismo esquizofrénico que pulula na maioria das suas respostas, nem irei tocar a política, área que domina com a subtileza de um elefante cirurgião. Não falarei mais da autora sequer. Antes termino com Sade que já em 1788, da mesma forma que o oráculo de Eça se referiu quase um século mais tarde a alguns membros do P.I.G.S., escrevia sobre as Margaridas Rebelo Pinto que parasitam e estragam as artes em Portugal:
 
«Mas seja qual for a situação em que o haja posto a natureza ou a sorte, se quiser conhecer os homens, que fale pouco quando estiver com eles; nada se aprende quando se fala, só nos instruímos ouvindo; e eis por que os palradores não passam habitualmente de parvos.»

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