“Em
terra de cego, quem tem um olho é rei”, um olho ou promoções com tudo a metade
do preço. Há umas horas o Pingo Doce fez um teste, sabia que seria difícil e
como tal preparou-se de forma exemplar: escolheu o dia da prova com
mestria e sem grande alarido deixou a equipa de marketing a trabalhar com
afincada dedicação na compra de mais uns milhares de almas, apenas distraída
quando os corninhos e a cauda começavam a ficar à vista. O resultado: um enorme
volume de publicidade gratuita e o feriado que se lixe, até porque, assim como
assim, já está lixado há alguns anos. Os norte-americanos, que sempre nos têm
habituado a expressões orelhudas, em 1929 gritaram “Crash!” e logo a seguir chamaram-lhe
Black Tuesday. Mais um nome que os yankees colocavam na história, em parte
devido ao rigor com que resume os tempos difíceis que vieram para as famílias
norte-americanas depois dessa Terça-feira sob pressão mas também considerando o
dia da semana. Afinal de contas, e respeitando o rigor cronológico que à
história se exige, tratou-se mesmo de uma Terça-feira. Curiosamente, e é aqui
que nos começamos a fartar das coincidências, foi também a uma Terça-feira, 4
de Maio, que no ano de 1886 durante uma manifestação de trabalhadores em
Chicago, alguém mais entusiasmado lançou uma bomba
contra uns polícias. Morre gente, gente cai, dispara a bala, bala dispara e mais uma vez se fazia história, violenta, pois claro, que é a mais romântica
de se contar. Um horário de trabalho digno era o que se exigia e foi preciso dinamite
para o alcançar, com isto não me chego nem perto à vermelhidão que as
conseguiu mas tiro-lhe o chapéu com a pompa que nem o Papa receberia se me
deixasse passar à frente na fila do supermercado. Para comemorar os
acontecimentos de Chicago decidiu-se parir o 1º de Maio – Dia do Trabalhador, este ano Terça-feira – dia de descontos no Pingo Doce. Serviu esta introdução para ponderar sobre o nome que se ajustará ao dia 1 de Maio de 2012 em Portugal: Dia do Trabalhador
ou Terça-feira Negra. Por um lado, temos os sindicatos e as organizações de
trabalhadores a celebrar o seu dia (que é de todos) com manifestações, festas
e outros eventos, tentativas umas mais dignas que outras de marcar um feriado
que se acaso fosse esquecido deixaria a porta aberta para um lugar certamente estranho.
Do outro lado o Pingo Doce com os estacionamentos lotados, reforços policiais à
entrada, confusão e batatada, prateleiras vazias sobre prateleiras vazias e
carrinhos de compras cheios sobre carrinhos de compras cheios. Os portugueses
onde andavam? Às compras e aos empurrões, quase em pânico, segundo alguns
relatos. Estava tudo a 50% queriam o quê, dignidade? Filas com horas de espera,
ordens de entrada e saída para as caixas registadoras puderem escoar, numa exaltada
afluência de fazer inveja às últimas presidenciais. Não tenho nada contra
campanhas de promoções, pelo contrário, nem tão-pouco vejo nas grandes
superfícies a passagem para o fim do mundo. Acho que de certa maneira o mercado
livre é uma entidade bela e libertadora ao qual só não se adapta quem foi mal
habituado, como os bebés que mamam para lá dos dois anos (num misto de incesto e pedofilia suportado por um academismo neo-hippie que além da paz e amor, apoia as mães que querem amamentar até os filhos irem para a faculdade). Não, nada
contra. Aliás, o Pingo Doce não só lucrou como um porquinho como encheu a
despensa de muito boa gente também como um porquinho e apenas por metade do preço, ou já se esqueceram da crise? O que se podia ter pedido, que respeitasse o feriado? Por essa lógica a 25 de Dezembro nenhum cristão seria pai e no Carnaval a Teresa Guilherme seria obrigada a ficar em casa para não impressionar os mais sensíveis com a máscara que a natureza lhe deu.
Não, nada contra. Só me aborrece que tenha sido preciso uns saldos para os portugueses demonstrarem aquilo de que são capazes. Tivessem mostrado nos últimos anos a mesma determinação em conseguir papel higiénico barato e a mesma capacidade de resposta quando a prateleira dos detergentes esvazia mas a dos enlatados é reposta e talvez não precisassem de tais barganhas.
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